sábado, 22 de agosto de 2009

Felicidade passageira

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Passava das nove quando cheguei, fui encontrar dois amigos que já me esperavam a mais de uma hora. O lugar era um pouco escuro, iluminado apenas por pequenas lâmpadas em cima do balcão. Uma máquina de música tocava um antigo sucesso do Zezé di Camargo e Luciano. O local ficava próximo ao passeio público de Curitiba, em um prédio velho que aparentava ter mais de cinqüenta anos. Entre uma cerveja e outra algumas meninas se aproximavam da mesa, pedindo doses e oferecendo companhia. Nós com pouco dinheiro, e acostumados a freqüentar zonas apenas para beber e dar risada recusávamos a oferta. As moças não eram de todo feias, apesar dos sinais deixados pela vida boêmia, eram até apresentáveis, para um bordel é claro.

Gosto de beber nesses lugares por que alguma coisa sempre acontece. Alguém sempre chama a minha atenção, seja contando uma história de vida, brigando, caindo depois de muitas doses, ou coisa desse tipo. E naquela noite não foi diferente. Depois de algumas cervejas meu interesse pelas pessoas fica maior, minha boca que tagarela sem parar compete com meus olhos que não perdem um movimento sequer do ambiente. Observei então em uma mesa no canto um grupo de homens bebendo animadamente, as mãos eram ocupadas hora pela cerveja, hora pelas coxas das meninas que pulavam de colo em colo. As garotas, experientes que eram, conseguiam entre um beijinho e outro fazer com que os rapazes abrissem não só os zíperes das calças, mas também suas carteiras. Eu observava esta cena com a nostalgia de quem freqüenta zonas já há algum tempo. Essas demonstrações de afeto e alegria passageira são normais nesse ambientes. Porém um senhor, o mais velho do grupo, talvez fosse tio ou até mesmo pai dos rapazes, me chamou a atenção. Era um sujeito aparentando seus cinqüenta anos. Poucos cabelos, na boca os dentes que ainda restavam eram como pequenos pedaços de carvão, que ao invés de estarem embaixo da grelha, teimavam em ficar em cima da carne. As mãos demonstravam vida dura, o rosto inchado revelava problemas causados por muitos anos de cachaça.


O que despertou minha curiosidade não foi a aparência do homem, mas sim a alegria que a prostituta conseguiu despertar nele. Agarrado na cintura da moça, ele parecia um adolescente experimentando o tesão do primeiro namoro. O olhar de criança quando ganha o tão sonhado presente de aniversário, dava a ele um ar cômico e ao mesmo tempo triste.Entre os presentes na zona , ele era quem mais recebia atenção. Talvez por que havia pagado várias rodadas de cerveja e doses. Ao contemplar aquela cena, muitas perguntas vieram a minha cabeça. Quem era aquele senhor? Como era a sua vida? Era casado, e se era, como o tratava a esposa, para que toda aquela carência fosse revelada com a menor atenção dada por uma puta? Pensei que talvez a vida lhe tivesse negado certos prazeres, e que agora mais velho e sem nada a perder, gozasse esses momentos como se fossem os últimos. Talvez o álcool tivesse lhe privado os carinhos femininos por muito tempo, e agora com o pagamento no bolso, essa realidade tinha mudado, mesmo que por alguns instantes. O efeito da companhia daquela moça era como o da morfina usada em hospitais para aliviar a dor dos moribundos. Ela ouvia atentamente todas as histórias que ele contava, havia alguma coisa de santa naquela prostituta, pois o semblante de alívio que o rosto do homem mostrava, revelava que ela não apenas escutava o que ele dizia, mas entendia seus lamentos.

Nas três últimas cervejas que tomei, minha boca tinha perdido para meus olhos. Já não conseguia mais participar da conversa que se estabelecera na mesa. Minha atenção estava toda voltada para aquele senhor e a alegria despertada nele pela prostituta. Pensei então no papel das mulheres de zona na vida desse tipo de sujeito. Os pequenos momentos passados nesses ambientes, fazem com que a semana de trabalho, na maioria das vezes dura, compense quando se gasta o dinheiro ganho nos braços de uma puta. Elas são grandes ouvintes, e sabem contar boas histórias também. Não existe neste ambiente bonitos ou feios, apenas homens com dinheiro ou sem dinheiro. Cada um sabe até onde acredita em uma mulher da vida. Muitos se apaixonam em bordéis, alguns inclusive casam com prostitutas. O fato é que se os ricos têm o divã de um psicanalista para se aliviar dos problemas cotidianos, os pobres têm a zona para viver momentos agradáveis. Depois de todas essas reflexões, convidei meus companheiros para pagar a conta e ir embora, pois percebi que o dinheiro daquele senhor já estava acabando, e eu não queria ver seu olhar de criança sendo substituído pelo olhar de velho cansado e frustrado, ao ver o menina que tinha lhe dado tanta atenção, indo sentar num colo de outro coitado.


por José Pires