terça-feira, 26 de abril de 2011

A metade do segundo

por Everton Luiz da Rocha Mossato

Não demonstrava impaciência nem nervosismo com o movimento à sua frente. Nesse mundo tudo é tão rápido, os carros quase voam, as pessoas sempre com pressa. Tudo é tão mecânico, o bom dia já não parece lhe desejar mais um dia bom de fato. Sem ter o que fazer apenas observava. Olhou as mãos rápidas da moça do caixa passar o cartão na máquina.
A moça por sua vez olhava impaciente para a máquina a espera de um som. Piii! Mais um botão pressionado e pronto. O ticket é impresso. Opa! Ainda não. Mais angústia no olhar para o homem de blusa branca e barriga de shopp que tinha que assinar o papel. Agora sim. Com os olhos e um movimento de cabeça a mocinha do caixa lhe disse que era sua vez. “Hola”, isso não dizia nada, não precisava responder. Seus pés cobertos com meia e um velho sapato preto deram dois passos e postaram-se frente a esteira que leva os produtos para perto da moça do caixa. Levemente corcunda, com um agasalho de lã verde, saia longa preta e meias também pretas, porém desbotadas, até o meio da canela, a senhora pegava numa sacola, transparente com a logo Eroski, os produtos e os colocava na esteira. De dois em dois, como os animais que subiam na Arca de Noé. Duas garrafas de suco de uva, dois chocolates Kinder Ovo, pode ser que o sorriso da netinha estivesse presente na imaginação da mulher de cabelos grisalhos nesse momento, por isso colocava com cuidado os dois pacotes da guloseima na esteira. Mais dois iguais, agora eram absorventes, provavelmente eles seriam para a filha. “Que mãe prestativa eu sou. E ainda falam que não lembro de nada, esses jovens...”, o sorriso escapava sem mostrar os dentes, ou a dentadura, era singelo como os movimentos da velha mulher. Pronto, estava feita a pequena compra, pensou aliviada.

Apenas pensou. As mãos rápidas da moça do caixa voltaram a trabalhar. Pegou uma das garrafas de suco de uva Eroski passou com o código de barras na direção do leitor da máquina à sua frente. Um som tipo um Bip e o preço no visor: 1,26 . A senhora olhava atenta para o visor. Mais uma garrafa de suco de uva. Bip. 1,26 €.

- No ¿que passa?¿ La segunda botella no es la mitad?, a velhinha franziu o que pôde em seu rosto (e era muita coisa) para mostrar insatisfação à moça quase robótica do caixa.

- No sé, señora. – Neste momento a caixa já estava bufando.

- ¿Pero como no sabes? Tiene que saber – Respondeu de pronto a senhorinha nervosa.

- No sé de todo por memoria ¿Estaba señalado? – Truco! Olhou para a fila que se formava em seu caixa e para o rapaz no caixa a sua frente como quem diz – Sou foda, falo mesmo!

- En la entrada dicia que lo segundo era por la mitad del precio. – Havia um cartaz de três metros quadrados na parede de entrada do mercado com uma propaganda que intimava o cliente a levar dois produtos iguais, sendo que no segundo pagava a metade do preço do primeiro. Porém o cartaz grande mostrava a foto de uma garrafa de azeite de oliva. Ao lado haviam cartazes menores com outros produtos. Dentro do mercado, espalhados pela prateleiras haviam pequenos papeis amarelos redondos mostrando que aquele produto participava da incrível promoção.

- Pero no eres. Los produtos de la promoción son señalados, senhora.

A senhora olhava triste para os chocolates, o sorriso da sua netinha estava ficando amarelo em sua mente. Não tinha percebido tal artimanha do marketing do Eroski. Acreditava que todo o mercado estava com a segunda unidade na metade do preço.

- Vale, vale... – A velha mulher tinha perdido a guerra. Mas não ia desistir, alguma coisa devia estar pela metade do preço e ela ia encontrar. Agora não tinha mais carinho pelos chocolates da netinha. Apanhava os pares de produtos de cima da esteira e jogava numa cestinha com rodas ao lado do caixa (não é um carrinho, é um cesto grande com rodas e uma haste para puxar). Jogava-os com raiva. Sem pressa nenhuma e sem olhar para caixa. Depois do último absorvente no cesto com rodas (a sacola transparente em que trouxe os produtos ficou no seu braço, vazia) a velha virou as costas para a mocinha robótica, pegou seu cesto vermelho com rodinhas, esticou a haste preta de ferro, virou o carrinho 180º, segurou firme a haste com a mão direita e caminhou tranquilamente. Levantou a cabeça até onde sua coluna curvada a permitiu e passo após passo, devagar como quem não quer chegar, sumiu no emaranhado de corredores à procura de um segundo... pela metade do preço.


3 comentários:

  1. http://mais.uol.com.br/view/j33zw4lwgvcq/marcelo-camelo----0402983762C8B96327?types=A

    Curte essa ai......"Dentro dessa noite vai dançar até"

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  2. http://paineirasterradonunk.blogspot.com/

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  3. huahauhauah
    certezaaaaaaaaaaaaaaaa
    fizzz essa pra lembrarrr do fotloggg
    agoraa vaiii
    veja aiii q jah q o guri aki tah desempregadooo vai colocarrr variassss fotinhasss pra raçaaaa ok valewww é noizzzzzzzzzzzz
    falowww mulekee
    abraçossss e a saudadesssss tmbb

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